Ao chegarem à vila, Elina descarregou Sahar e ele a avisou que ia dar uma volta, pois queria meditar um pouco. Ela colocou a carga no ombro e subiu com agilidade para a plataforma suspensa entre as grandes árvores.
A vila dos elfos era completamente suspensa entre as árvores e construída de uma forma muito peculiar, fazendo com que todos os corredores, plataformas e estruturas, quando vistas de baixo, se misturassem harmoniosamente com os grandes galhos e sumissem entre eles, para um observador desatento. A menina atingiu o corredor surpreendentemente largo para algo suspenso a tantos metros do chão e começou a dirigir-se a uma plataforma específica, a alguns metros dali: a casa das donzelas.
O corredor de madeira, quando visto de perto, tinha em toda sua extensão, em ambos os lados, pequenos postes também em madeira, com entalhes em suas pontas. Os motivos das pequenas esculturas falavam dos mais diversos assuntos importantes aos elfos: pessoas, animais, histórias, conceitos… Por toda a vila, nos corredores, esses belos entalhes se repetiam, porém as figuras nunca eram as mesmas. Elina sempre gostou dessas figuras. Quando era menor, costumava inventar histórias intrincadas sobre as figuras, durante suas brincadeiras com as outras meninas da casa das donzelas.
Ela fez a última curva e chegou ao seu destino, uma grande plataforma mobiliada circundando uma enorme árvore. Armários, cadeiras e uma mesa estavam dispostos pelo local, dando uma aparência estranha ao ambiente. Nas plataformas acima daquela estavam os dormitórios das meninas e circulando de um lado para outro, estava uma bela elfa, de cabelos lisos e castanhos que quando a viu, lançou-lhe um sorriso:
– Olá, Elina! Bom dia!
– Bom dia, Fares. Dormiu bem?
– Sim, pequena. Dormi, obrigado. E você? O que nos trouxe, hoje?
– Gazela. – respondeu a menina, sorrindo, orgulhosa do feito. Nisso levantou o fardo, exibindo a carne da caça.
– Muito bem, pequena. Voltou bem rápido, hoje. Está ficando boa nisso. Passe para cá, tenho muito que fazer e preciso ir encaminhando nossa comida.
Elina entregou o pacote para Fares, que o desfez e colocou um caldeirão no fogo. A fogueira havia sido feita em uma área escavada na própria árvore em forma de gota e revestida com uma espécie de pedra escura e fosca, a ponta da gota afastando o calor do corpo da árvore.
– Elina, como está a caça?
– Bem. Está ficando mais fácil. Mas ainda fico com os braços doídos de ficar me segurando muito tempo na presa.
– Isso é assim mesmo. Mas passa com o tempo, conforme fores ficando maior e mais forte. O importante, agora, é aprender com Sahar sobre a sensibilidade, os ruídos, os cheiros.
– Tá. Mas essa parte eu sei. É sempre a mesma coisa… E eu ainda tenho, toda vez, que agradecer a presa. Isso é muito chato! E tem que ser toda vez? – Elina fez um muxoxo e torceu a boca, indicando a falta de paciência dela em relação a esse tipo de coisas.
– Hahaha … Sahar e sua filosofia. – riu a jovem elfa, ajeitando o cabelo macio sob a orelha pontuda – Ele sabe ser insistente nisso, não é mesmo? Eu sei que é chato, ele fazia o mesmo comigo. Mas tente entender o velho leão, Elina. Apesar de todo o seu discurso, ele se enxerga muito mais na gazela que nós conseguiríamos, é normal que queira que vejamos a importância que ela também tem no Ciclo. Se não respeitarmos isso, em pouco tempo também não respeitaremos a importância do próprio Sahar e seu povo. Tenha paciência com o velho leão… - e Fares deu uma piscadinha para a menina.
Elina teve que sorrir do olhar divertido da sua tutora. – Está bem, está bem… Eu vou continuar fazendo como Sahar quer, mas ainda acho que é um exagero. Você acha mesmo que deixaríamos de dar a importância que ele tem? Claro que não! Ele é nosso amigo, um dos nossos…
– Sim, Elina, sei que ele é nosso amigo. Teu, especialmente. Ele nunca se apegou tanto a nenhuma de nós quanto se apegou a ti. Talvez por que você é humana e, portanto, como ele, é de certa forma diferente de todos os elfos que moram em nossas árvores…
Elina olhou a sua volta. A plataforma aberta permitia ver várias outras plataformas a sua volta, com elfos e elfas de todas as idades indo e vindo, ocupados em suas tarefas matutinas. Os raios suaves do início da manhã atravessavam as grandes folhas, colorindo-as de um verde vivo e banhando a vila de uma aparência alegre e ativa.
– Mas esta é a minha casa. Aqui é meu lugar. – disse Elina, um pouco confusa com as palavras da bela elfa.
– Sim, pequena. Eu sei. Assim como a dele. Essa é a casa de vocês e sempre será. Ainda assim, ele é um leão ancestral, o único que ainda vive entre nós. E você uma linda menina humana, também a única humana entre os elfos. É importante que entendas que, mesmo sendo uma de nós, têm coisas nas quais você é única… – Fares adotou uma fisionomia séria, pois sabia que esse era um ponto delicado a ser conversado com Elina. Ela sabia que a menina sempre quis ser uma elfa e, de certa forma, invejava as pequenas elfas que viviam com ela, na casa das donzelas.
– É… eu sei… Por que eu tinha que ser a única humana, aqui? Por que não posso ser como todas as outras meninas? – a tristeza na voz da pequena humana era evidente.
Fares mais uma vez escolheu com cuidado as palavras: – Elina, querida, entenda que ser diferente não é defeito. Todos nós somos diferentes uns dos outros, de uma forma ou de outra. Acontece que a tua diferença é o fato de ser humana. A de Sahar é ser um leão, e assim por diante. Além do mais, é da diferença que nasce a força e o aprendizado… – Fares olhou de novo para Elina, ela ainda não parecia convencida.
– Tá. Mas eu ainda queria ser elfa… Eu queria ser bonita como vocês…
– Pequena… você é linda. Linda e valente. Valente guerreira, caçadora de gazelas. – E Fares piscou para a menina. A menina respondeu com um sorriso.
– Mesmo?
– Claro, Elina. Você é uma menina linda. E vou te contar uma coisa: acho ainda que és a melhor criança caçadora que temos. Nenhuma das outras traz presas melhores ou mais rápido que a pequena Elina! – o sorriso brotou no rosto de Elina, mostrando as covinhas da criança.
Fares ficou feliz, vendo o orgulho dela em ser elogiada. Chegou mais perto e deu um grande abraço na menina:
– Elina, não mude nunca. Amamos a Elina, pequena humana, exatamente como é. Nunca queira mudar para que os outros a amem. As pessoas que te amam realmente, te aceitam e te amam exatamente como és. Promete-me que não vai esquecer disso nunca!
– Sim, prometo, Fares. – Elina fechou os olhos e abraçou a conselheira com força, realmente feliz de se sentir tão amada pelas pessoas a sua volta.
Fares a afastou e segurou seu pequeno rosto entre as mãos, olhando diretamente os olhos da menina. – Pequena, te amamos muito, não te esqueça nunca que nós amamos você, certo?
A menina soltou um forte suspiro e respondeu: - Certo, Fares. Não esqueço. Também amo você. – E com isso, Fares beijou a menina no rosto e a mandou procurar as outras meninas. Estava na hora delas receberem a instrução matinal.
Fares ficou olhando Elina, enquanto ela se afastava. Ela realmente a amava muito, como se fosse sua irmã mais nova ou talvez como uma filha. A bela elfa soltou um profundo suspiro, preocupada com ela. Educá-la longe do seu povo não estava sendo fácil. Por outro lado, ela parecia amar muito a vida entre os elfos.
Fares realmente havia ficado muito surpresa com a facilidade com que a menina havia se adaptado à vida mais simples da vila. As meninas humanas eram tão complicadas… mas Elina não. Parecia perfeitamente em casa entre os animais, as plantas e a vida na floresta. E havia ainda aquela diferença. Aquela agressividade típica dos humanos que Elina demonstrava durante os treinos e as caçadas. Fares sentia uma força interior nela que não sentia em nenhuma das pequenas elfas da casa.
Ela admirava a menina, mas se preocupava sobre onde isso tudo a acabaria levando. Ao chegar um pouco mais longe, Elina começou a correr e a gritar, chamando as outras meninas e brincando com elas.
Fares teve que sorrir… Afinal de contas, bem no fundo, ela é só mais uma das meninas.
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By Jim Bruno Goldberg