Renar deu um profundo suspiro e cobriu o corpo. Não havia mais nada que pudesse fazer.
Lançou um último e preocupado olhar para o elfo coberto pelo cobertor, inerte sobre a maca. Era o terceiro caso que ele perdia nos últimos dias, sempre com os mesmos sintomas: manchas brancas pela pele, problemas de coordenação motora e finalmente morte por parada cardíaca.
Era estranho pensar nessas perdas. Estranho e preocupante. Elfos não morrem por velhice, somente por doenças ou atos violentos. Esse homem era um guerreiro de elite, com seu corpo forte e sadio, era difícil imaginar alguma doença que pudesse levá-lo à morte. Mas aí estava, morto, inerte na sua maca de campanha.
Renar sinalizou para seus dois ajudantes e mandou recolher o corpo. Esfregou os olhos e bocejou. Estava exausto. Havia passado a noite ao lado do doente e ainda assim, não havia adiantado de nada. De repente ouviu o barulho de alguém chegando à plataforma pelo corredor às suas costas e se virou.
Viu o grande e pesado corpo de Sear entrando na casa do finado.
– Bom dia, Renar. Mandou me chamar? – disse o grande elfo, vestido com suas roupas simples, mas leves, bem ao estilo casual dos elfos.
Renar não pôde deixar de notar como ele, apesar de chefe da vila, não se diferenciava em nada dos outros elfos das árvores.
– Que tenha um bom dia, Sear. Sim, pedi que o chamasse. Estamos com sérios problemas. – respondeu o curandeiro, no seu modo sempre direto de falar – Nos últimos dias, perdi três pacientes, todos com os mesmos sintomas.
– Verdade? Do que se trata? – a fisionomia do velho elfo tornou-se pesada. – Isso de fato é muito incomum. Algum tipo de epidemia?
– Mais do que isso, Sear. Ouvi falar de uma doença assim, somente enquanto era um aprendiz, em Shavr. Acredito que seja Keveha.
– A praga dos dias escuros? – Sear ficou pasmo, sem ação. Aquela ideia caiu como uma bomba em sua mente – Não pode ser! Faz milhares anos que não se ouve falar de nenhum caso de Keveha. Você tem certeza, Renar?
– Tenho, chefe. É o terceiro elfo aparentemente saudável que perco. Antes desse guerreiro foram uma artesã e um ferreiro. Sempre os mesmos sintomas: manchas brancas na pele e problemas de coordenação por muitos dias. Só conhecemos uma doença com essas características: Keveha.
Sear deixou-se cair sobre uma cadeira, ainda chocado. – O que vamos fazer? Keveha quase dizimou os elfos, da última vez. Quem sabe disso?
– Ninguém, ainda. Mas não vai demorar a que as pessoas comecem a especular sobre o que possa estar acontecendo. Três elfos mortos em poucos dias não é algo nada comum e os boatos já começaram a surgir. Você tem ideia da gravidade da situação?
– Sim, tenho. Essa praga pode acabar conosco. O que podemos fazer? – perguntou o chefe da vila, com um tom grave e apreensivo, na voz.
– Bem, - começou Renar – segundo as escrituras, os elfos sobreviveram somente porque a cidade de Viss aprendeu como lidar com a praga. Não temos mais registros de como isso foi feito…
– Sim. E a cidade de Viss também não existe mais, foi tomada pelos orcs, pouco antes da terceira grande jornada. Eles a tomaram e a destruíram. – suspirou Sear, cada vez mais preocupado.
– É verdade. Quase completamente. Ainda existem ruínas da cidade, vigiadas por uma guardiã. Ela chama-se Thea. Viss tinha uma grande biblioteca, onde era guardado o Livro da Vida e da Morte. Se os curandeiros de Viss registraram em algum lugar como lidar com Keveha, foi nesse livro. E se esse livro ainda existe…
– Você acha mesmo que o livro pode nos ajudar a lidar com a doença? Nada nos garante que o livro ainda exista. O mais provável é que os orcs o tenham destruído. É tudo um tanto vago, Renar, não acha?
– Acho. Mas não temos escolha, chefe. Já tentei de tudo para evitar que os elfos morressem e já perdi três, sem nenhuma indicação de melhora. Perderei outros dos nossos. Eles estão simplesmente morrendo. Precisamos do livro. Além do mais, por que deixar um guardião para uma cidade que já foi completamente pilhada, se não existe nada de valor deixado para trás?
– Bem, isso é verdade – disse Sear, agora com um ar pensativo. – Vou mandar nossos melhores guerreiros procurar Thea…
– Não, Sear. Não pode fazer isso. Eles podem estar infectados e isso espalharia a doença por toda a região. Se for Keveha, ela ataca também os humanos eles estão por toda a parte, agora. Criaria um dano que não conseguiríamos reparar jamais.
Sear começou a ficar impaciente, com as complicações do curandeiro:
– E o que sugere que eu faça, Renar? Precisamos mandar alguém. Não podemos ficar isolados e mandar alguém buscar Thea, tudo ao mesmo tempo…
Renar ficou pensativo por alguns momentos e depois olhou diretamente nos olhos castanhos de Sear, e com um ar muito sério, disse:
– Sei que você não vai gostar disso, mas mande uma das crianças. A praga só ataca adultos e elas não estão infectadas.
– Você está louco, Renar! Não vou mandar uma de nossas crianças correr um risco desses, mandando-a para fora de nosso território. É loucura. Você sabe como é arriscado lá fora. Uma de nossas crianças sozinha não chegaria ao seu destino, nunca.
Eu sei que é arriscado. Mas não mandar ninguém é morte certa para todos nós. Mandar um adulto seria pior ainda. Se não mandarmos ninguém, todos nós, inclusive nossas crianças, estaremos condenados. Escolha a criança mais bem treinada e mande Sahar com ela. Sabes que o leão não deixará que aconteça nada de mal…
Sear ficou em silêncio, por alguns minutos, debatendo-se contra a lógica dos argumentos do curandeiro. Estava com um frio no estômago, não queria arriscar uma de suas crianças, não era justo, não era certo…
Ele virou-se para olhar as outras árvores, onde a atividade matutina levava elfos e elfas de um lado para o outro e sua bela cidade cantava, com a suave brisa da manhã. No chão, um grupo de crianças brincava correndo de um lado para o outro. Todos tão inconscientes da grande ameaça que pairava sobre suas cabeças…
De repente, Sear lançou um suspiro profundo e lento, sentindo-se muito velho, velho como um elfo jamais conseguiria ser.
– Tenho que pensar nisso, Renar. Tenho que pensar…
E dizendo isso, Sear voltou suas costas e saiu pelo mesmo corredor pelo qual que havia chegado.
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By Jim Bruno Goldberg