O dia passou rapidamente e a noite chegou.
Elina e Sahar haviam percorrido um grande trecho da viagem e as árvores começaram a ficar mais esparsas. De tempos em tempos, eles encontravam uma trilha ou uma clareira.
Sahar observou que começava a perceber pegadas e cheiros que os humanos deixavam, com certeza já não estavam em uma região tão inabitada quanto a floresta dos elfos.
Ao entardecer eles já estavam bastante longe dos limites dos elfos, e parecia à Elina que até o cheiro do mato havia mudado. Aquelas pequenas árvores não pareciam tão amigas quanto as centenárias de sua casa.
No inicio da noite, à distância, eles vislumbraram uma luz, entre as árvores. Alguém fazia muito barulho, rindo e cantando. A brisa trazia um cheiro de cozido que deu água na boca aos dois viajantes e ambos se olharam, compreendendo-se mutuamente. Mas Sahar parou.
– Desça, criança.
A menina desmontou, olhando interrogativa para ele.
– Vamos lá, Sahar. Acho que vamos conhecer alguns amigos novos, hoje.
– Calma, Elina. Devagar. Nem todos os humanos estão tão acostumados com os amigos dos elfos quanto os comerciantes que vão na vila. Acredite: não posso simplesmente chegar num acampamento humano durante a noite, na hora da janta e não esperar que eles se assustem ou pior, que resolvam defender sua comida…
– Como assim? Você acha que eles podem ter medo de ti? Mas você não faz mal para ninguém…
– Acredite, criança, eles têm medo de mim. Lembra da gazela? Ela tem medo de ti?
– Sim, tem.
– Então? Você também não faz mal a ninguém. Por que ela tem medo de ti?
– Por que eu posso gostar de comer gazela! – disse a menina, divertida.
– Pois é… Eu posso gostar de comer humano. – disse Sahar e deu um sorriso para a menina.
Elina teve que rir:
– É verdade, as vezes eu me esqueço que você é um leão. E que leões comem pessoas… – Elina estava realmente divertida com a situação. – Está bem. E o que podemos fazer?
– Fazemos o seguinte: você vai e conversa com eles. Janta e acha um lugar quentinho para dormir. Eu vou ficar aqui, cuidando que ti. Mais tarde, saio e busco algo para comer. Não tem problema. Vai ser bom para você começar a conhecer os humanos.
– Tem certeza, Sahar? Não vai ficar chateado, aí sozinho? Posso ficar aqui contigo.
– Não é necessário, Elina. Além do mais, eles devem ter um mapa. Precisamos saber mais exatamente onde é Agenar. Eu sei, mais ou menos, mas faz muitos anos que não venho para cá e já percebi que as trilhas mudaram. Peça a eles para dar uma olhada no mapa. Isso vai nos ajudar bastante. Eu realmente não posso aparecer por lá.
Elina não gostou muito da história, mas acabou concordando. Foi andando até clareira de onde vinha a luz, que descobriu vir de uma carroça estacionada, cheia de coisas penduradas. De um lado, um par de cavalos pastava amarrado a uma árvore e no centro da clareira, um homem magro mexia em um caldeirão sobre a fogueira enquanto um grandão estava sentado, bebendo algo em uma grande caneca de metal. Eles pareciam alegres e o cheiro da comida se espalhava pela clareira.
Ao ver a pequena menina andando na direção deles, o homenzarrão teve que forçar a vista, já um pouco embaçada pela bebida para definir melhor o que estava vendo.
– Ora, ora, ora…. O que temos aqui? Uma pequena fada veio voar em volta da nossa fogueira, atraída pela luz, talvez?
O cozinheiro virou-se para ver do quê seu companheiro estava falando, ao ver Elina, ele abriu um sorriso.
– Boa noite, pequena dama. O que faz tão longe, no meio dessa floresta, sozinha de noite?
– Boa noite, senhor – respondeu Elina, educada. – Estou viajando.
– Então junte-se a nós, temos comida pronta e um lugar quente ao fogo. Alguém está com você?
Elina olhou para o mato, na direção de Sahar e respondeu:
– Não, estou sozinha.
– Então sente-se conosco, disse o homem da caneca, enquanto o outro servia um prato do cozido e passava para ela.
Elina sentou-se e começou a comer, enquanto eles conversavam com ela.
Perguntaram de onde ela era e ela disse que vivia na vila dos elfos, desde pequena. Curiosa, ela perguntou sobre eles e descobriu que eles eram comerciantes, que levavam produtos de cidade em cidade, conhecendo muita gente. Ela ficou fascinada com as histórias que eles contavam sobre as pessoas. O tempo passou e eles jantaram, os dois homens sempre bebendo muito.
Depois da janta, eles se acomodaram melhor na volta da fogueira, e seguiram cantando e contando piadas. Quanto mais o tempo passava e mais bebida os dois consumiam, mais alegres e falantes ficavam. Em certo momento, o homem grande começou a falar de Elina:
– Você é uma menina muito bonita, sabia Elina? Não é mesmo, Rie?
– Sim, Verto. Ela é muito bonita. Parece uma pequena elfa. – de repente, o olhar de Rie havia mudado.
Elina começou a sentir-se inquieta.
– Esse pingente de folha que tens é trabalho dos elfos, não é?
– Sim, é. Por quê?– respondeu Elina, incomodada com a mudança que sentia neles.
– Porque as pessoas pagam bem por esses trabalhos dos artesãos elfos. Os artesãos humanos não conseguem fazer trabalhos tão belos.
Elina ficou ainda mais incomodada. A tensão no ambiente começou a aumentar. De repente, ela começou a não entender onde eles queriam chegar. Mas Verto continuou:
– Alias, nossos clientes pagariam bem pelo pingente e por uma menina como você. Se bem que seria mais interessante se fosse mais velha, mas bonita do jeito que você é, pode ser bem interessante, de qualquer forma…
E enquanto Verto dizia isso, Rie já havia se aproximado dela e rapidamente tentou dominá-la.
Elina, que sempre confiava nos seus impulsos, rapidamente ficou de pé, evitando as mãos fortes do homem e pulando rápido para se afastar de ambos. Rie, surpreso, se desequilibrou cambaleando por causa da bebida e enquanto Verto se levantava, a menina sacou rapidamente seu punhal. O cabo metálico finamente trabalhado com símbolos élficos refletia a luz amarela da fogueira.
Elina pulou novamente na direção de Rie. Ele não teve tempo de se colocar firmemente de pé, antes da menina rapidamente cravasse o punhal no seu peito e tirasse-o novamente, enquanto o homem caía de quatro no chão sangrando. Verto, o maior, estava de pé e a xingou furioso, quando viu aquilo acontecer e correu contra ela.
Ele conseguiu agarrá-la, por trás e ela não conseguia se virar para usar o punhal. Elina se debatia muito, mas era inútil. O homem era muito mais forte que ela e rapidamente ela estava ficando cansada.
Verto se virou e começou a arrastá-la para a carroça, onde tinha cordas, enquanto Rie gemia no chão, perdendo sangue rapidamente.
– Então a fadinha tem garras, não é mesmo? Vamos ver agora quem é que manda…
Enquanto dizia isso, Verto deu mais um passo em direção da carroça, mas foi seu último. De repente, surgindo do meio do mato, Sahar pulou no homem, derrubando ele e Elina. Com o impacto, ele a soltou e ela aproveitou para se distanciar deles.
Sahar estava furioso. Atacou o homem e em segundos Verto estava morto, pouco mais que um pedaço de carne rasgada no chão da clareira.
Elina estava apavorada. Havia se sentido bem-recebida e querida pelos dois homens e eles a haviam traído. Também nunca havia visto esse lado tão assustador de Sahar. O leão, sempre tão calmo, havia pela primeira fez ficado furioso na frente da menina. Ela estava atordoada.
Sahar chegou perto e perguntou, na voz mais suave que conseguiu:
– Você está bem, criança?
– Si… Sim, Sahar. Obrigada. – Ela respondeu, com a voz tremendo.
– Que bom. Precisamos tomar mais cuidado. O mundo é cheio de ameaças e geralmente elas vêm de onde não esperamos… Sente-se e descanse um pouco agora. Vou verificar o outro canalha. - Sahar foi verificar Rie e constatou que ele estava morto.
Quando Elina se recobrou, Sahar sugeriu que ela examinasse a carroça, procurando um mapa. Entre um monte de bugigangas que os dois levavam, não demorou muito que Elina encontrasse o mapa que queria e algumas moedas. Sahar insistiu que ela guardasse as moedas, por que no mundo dos humanos elas eram importantes e eles pararam para examinar o mapa, à luz da tocha que queimava no canto da carroça.
– Aqui, Elina, esse ponto preto na parte de cima do mapa. Essa é a cidade de Agenar.
– Hummmm….. - fez a menina. – de acordo com isso, estamos ainda a alguns dias de viagem, certo? Seguimos para lá – e a menina apontou para o nordeste e olhou para o leão – Certo?
– Sim, Elina. Está certa. Devemos encontrar um rio aqui perto, naquela direção. Depois descemos o rio até Agenar.
– O rio está longe? Não, né? Quem sabe vamos até lá? Estou toda suja e não quero dormir aqui.
– Sim, criança, é o melhor que temos a fazer. Ainda não é tão tarde e podemos andar mais algum tempo. Essas carcaças vão atrair animais em breve, não é bom dormirmos aqui.
Elina concordou com a cabeça e se dirigiu aos cavalos. Acariciou-os e os desamarrou, enquanto conversava com eles e os acalmava. Depois voltou e dirigiu-se a Sahar, pensativa:
– Sahar, por que esses homens me atacaram? Eles não são humanos, como eu?
– Sim, Elina, são humanos. Mas nem todos os humanos são iguais. Alguns são bons, outros são mesquinhos e perigosos. Não são como os elfos. – Essas últimas palavras soaram muito duras para Sahar, mas a menina tinha que ser mais desconfiada, para seu próprio bem.
– Eles são ruins?
– Não, criança, não são ruins. Tenho muitos bons amigos humanos, mas também conheço humanos detestáveis. Cada pessoa é diferente da outra. Precisamos é aprender a saber diferenciá-las.
A menina ficou pensativa e Sahar ficou tentando imaginar o que se passava na cabeça dela. O leão estava começando a ficar preocupado sobre como isso tudo podia afetar a menina.
Alguns minutos mais tarde, eles retomaram seu caminho rumo ao rio.
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By Jim Bruno Goldberg