Naquele início de manhã, Dag estava começando a se questionar se não tinha sido enganado. Fazia dois dias que ele andava por aquela região e ainda não havia achado nenhum sinal do tal unicórnio. Talvez ele não existisse, mas o gorducho da taverna havia assegurado a ele com tal convicção que havia visto o animal que o jovem aventureiro não havia desconfiado que poderia ser mentira do taberneiro.
Naquela manhã, Dag começava a duvidar. Ele havia acordado de mais uma noite ao relento, batido a poeira da roupa grossa e pesada, refeito sua mochila e finalmente começou a se dirigir ao rio ali perto. Precisava se lavar e encher novamente o cantil.
A manhã estava nublada e o sol ainda não havia surgido por entre as nuvens, apesar de já estar bastante claro. Não demorou muito e começou a ouvir o barulho da água caindo na cascata ali perto e começou a seguir o barulho.
Dag andava por entre a vegetação baixa, mas cerrada o bastante para impedir que visse muito adiante, esgueirando-se por entre o mato e os espinhos. Aproximou-se do rio por sobre uma grande rocha que se equilibrava a vários metros acima da água e ao afastar o mato seco que o impedia de ver o rio, defrontou-se com uma cena inesperada.
Nadando no rio, perto da cascata, estava uma menina franzina, de pele clara e cabelo curto, evidentemente concentrada em se lavar e de costas para um grande leão, que nadava contra ela. Uma angústia enorme tomou conta de Dag: o leão ia matar a menina e ela nem o havia visto ou ouvido, de costas que estava e com o enorme barulho da cascata em seus ouvidos.
Tão rápido quanto foi possível, Dag desenrolou sua rede da bagagem e correu para a margem do rio, procurando chegar mais perto. O leão se aproximava da menina e Dag não tinha mais tempo, jogou a mochila no chão de terra e correu o quanto pôde. Ao chegar a uma pedra mais próxima, pulou com toda a força que tinha, tentando alcançar o leão, já abrindo a rede e tentando imobilizá-lo.
Os segundos seguintes foram muito confusos. Sentia seu corpo girar embaixo d’água, lutando com um leão, obviamente muito mais forte que ele. Não sabia mais sequer para que lado era a superfície e engoliu muita água. Às vezes, conseguia ouvir uma voz de menina gritando:
– Solta ele! Solta ele! Ele está se afogando. – pelo menos a menina estava bem. Tentou se soltar e subir, mas o leão lutava furiosamente e uma de suas garras passou no peito de Dag, que quase se afogou, ao tentar gritar de dor.
Finalmente conseguiu subir, atordoado com a fadiga, dor e desorientação. A menina estava sobre uma rocha, completamente encharcada e gritava furiosamente:
– Solta o Sahar! O que está fazendo? Você vai matar ele! Dag ficou confuso um momento. Sahar? Quem é Sahar? Será que pode ser… - Ele está se afogando! Ajuda ele! Ele é meu amigo!!! – A menina gritava desesperada e a plenos pulmões.
Dag olhou para trás e viu o leão se afogando. De relance, ele entendeu. O leão não estava atacando a menina, ele estava tomando banho com ela. E agora estava quase sem forças, enrolado na rede de Dag.
Ele pulou de volta na água e nadou de volta para onde Sahar estava. O leão estava parando de lutar quando o humano alcançou as grossas cordas que formavam a rede. Apalpou por um momento, procurando um lugar para segurar que mantivesse a cabeça do leão para fora da água. De repente, achou espaço entre as cordas e agarrou com toda a sua força. Encaixou a mão esquerda da melhor forma que conseguiu e saiu puxando o leão, tentando chegar a uma prainha ali perto.
Quando chegou à praia o leão não se mexia mais e a compreensão do que havia feito começou a se tornar culpa, enquanto o sangue dos cortes no seu peito começava a empapar a sua roupa, já encharcada.
Dag tentou livrar Sahar da rede, para que o leão respirasse melhor, mas não conseguia, em terra firme o grande leão era simplesmente pesado demais. Elina chegou e foi direto em Sahar, tentando livrá-lo, foi quando Dag viu a adaga da menina. Enquanto ela fazia força para soltar o leão, Dag esticou a mão e em um gesto rápido, tirou a adaga da menina, fazendo a pequena se assustar e olhar para ele. Dag nem percebeu isso, na pressa que estava de tentar desfazer seu erro.
Imediatamente ele abaixou-se perto do leão e passou a cortar a rede com a afiada lâmina élfica. Em segundos Sahar estava livre, mas parecia não respirar. Elina estava apavorada e sem ação. Com medo de perder o grande amigo, olhava a cena com os olhos em pânico. Dag precisava fazer alguma coisa.
Ele jogou o punhal no chão, cravando-o na terra e abaixou-se, apalpando o peito do leão. Quando achou o ponto que parecia o melhor, jogou todo seu peso contra as mãos, fazendo com que o peito do leão afundasse.
Nada mudou.
Tentou de novo, nada ainda.
Uma terceira vez, com toda a força e peso que conseguiu juntar, depois de tudo aquilo.
De repente, o leão tossiu, expelindo bastante água pela boca.
Tossiu de novo, mais uma vez e abriu os olhos, que encontraram os de Elina. O rosto da menina estava evidentemente aliviado. Sahar respirou fundo e olhou ao seu redor. Dag já estava de pé, apesar da postura de quem havia segurado o mundo com as próprias mãos.
Apesar dos membros tremendo, Sahar levantou-se com um pulo e avançou contra o humano, derrubando-o. Deu um grande rugido e preparava-se para arrancar um pedaço de Dag quando Elina gritou, a plenos pulmões:
– NÃO! Não faz isso! – E Sahar parou, absolutamente imóvel. Elina deixou-se cair sentada no chão, exausta.
-– Foi ele que te salvou.
Dag estava apavorado. Nunca na sua vida ele havia chegado tão perto da morte. Os olhos arregalados dele olhavam diretamente para cima, quando Sahar virou seu rosto para Elina.
– Criança, esse idiota quase me matou.- Disse um Sahar indignado.
– Eu sei, Sahar. Mas não era essa a intenção dele. Ele só estava querendo me salvar. Ele o salvou de se afogar.
– Mas é o mínimo, foi ele que quase me afogou! Esse idiota é perigoso. – insistiu Sahar.
– Não devemos julgar os outros somente por seus erros, Sahar. Os elfos me ensinaram isso. Você mesmo já me disse isso.
Sahar suspirou profundamente. Era verdade. Ele mesmo já havia aconselhado a esse respeito.
O leão virou novamente seu rosto para encarar Dag:
– Você é um idiota… – e saiu de cima do humano.
Dag, respirou aliviado e a muito custo, tentou levantar-se.
Já mais recomposto, ele virou-se para Elina, agora encabulado e disse:
– Obrigado – depois virou para o leão e sussurrou:
– Desculpe.
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By Jim Bruno Goldberg